(A comunicação social portuguesa,
particularmente o comentário político nas televisões, está cheia de derivas cuja
perversidade antidemocrática o público em geral só compreende quando são
retroativamente interpretadas à luz de acontecimentos posteriores. Nos últimos
anos, temos assistido, direi impávidos e serenos, a uma onda enviesada de
comentário político que apostou tudo na desmontagem da maioria absoluta de
António Costa. Verdade se diga que as peripécias de diferente recorte criadas
pelo próprio Governo facilitaram a vida a essa onda desequilibrada para a
direita. Não exagero quando referi que designadamente a esquerda assistiu
impávida e serena à consolidação dessa onda, inebriada por algumas migalhas de
comentário que lhe foram reservadas. Claro que há figuras mais escabrosas do
que outras, mas basta pensar na reedição das Conversas em Família dos domingos
à noite a cargo de Marques Mendes e Paulo Portas, sem contraditório, pois os
pivots de ocasião são mais partenaires de faena do que um esboço de
contraditório. Dir-me-ão os mais céticos e dou-lhes razão que a opção de
António Costa pelo universo da ou próximo da CMTV vai ajudar à pirotecnia desta
festa, eu que tenho algum ódio de estimação aquele universo pasquim. Tudo isto a
propósito da audaciosa escolha de Sebastião Bugalho por Luís Montenegro, cada
qual sabe as linhas com que se cose, mesmo os mais deslumbrados, ver último
post do meu colega de espaço. Para não dizerem que estou na má-língua, chamo a
atenção para que, em 4 de novembro de 2021 (link aqui) dediquei uma crónica
específica ao dito personagem, destacando a qualidade de uma crónica que ele
assinou no Diário de Notícias e sim continuo a ler o jornal da capital, como
alguns lhe chamam. Não está obviamente em causa a qualidade ou talento do
jornalista ou personagem com cara de quem acaba de ir à comunhão solene. O que
está em causa é o precedente de descrédito que a transumância do comentário
para a luta política pode representar para ambas e, sinceramente, não sei qual
será a mais nociva para o estado da democracia em que navegamos por estes dias.)
Desculpem o desabafo, mas já me tinha percebido que, como
se dizia no meu tempo de brincar na rua, vale tudo menos tirar olhos na
viciação política a que assistimos. Ora o comentário político é objetivamente
campo de estratégias de valorização pessoal e com a vantagem de ser paga, ora
arriscamos a dizer que é encomenda política com lacinho na embalagem. O
jornalismo económico infelizmente começou cedo a traçar esta trajetória e rapidamente
o comentário político veio fazer-lhe companhia. Talvez com a exceção do
Princípio da Incerteza, antes Quadratura do Círculo, em que os papéis e interesses
dos intervenientes estão bem definidos e, por conseguinte, facilitando a
contextualização do que aí é dito, no restante universo as mensagens ocultas e
subliminares proliferam, impedindo uma correta contextualização do comentário.
A deriva passa inclusivamente por gente de qualidade. Por repetidas vezes,
desconfiei neste espaço da progressiva agressividade de Clara Ferreira Alves em
relação a António Costa e defendi que dificilmente haveria matéria objetiva que
justificasse tal animosidade em crescendo. Como dizia o outro há coisas que me
chateiam profundamente e não poder contextualizar as afirmações dos outros é coisa
que me tira do sério.
Mas a transumância do comentário para a cena de ir a
votos é um estádio supremo da deriva a que estamos a assistir e é nesse ponto
que gostaria de me focar.
Obviamente que existem outros critérios para analisar
criticamente as opções assumidas pelos principais partidos do sistema político
democrático português. Ambas as listas, do PSD e do PS, traduzem antes de mais
o menosprezo das questões europeias, propondo gente que ou não pesca de todo
nas águas comunitárias ou se limita a ter das mesmas uma posição de
receptadores de fundos europeus, como são por exemplo alguns exemplos de
autarcas a quem se atribuiu uma espécie de prémio de carreira.
Já por repetidas vezes referi neste blogue a minha
frontal oposição à desvalorização política efetiva das eleições europeias e os
problemas da Europa começam aí, infelizmente. Por isso, e embora isso choque
muita gente, sou dos que, não deixando de medir o risco dessa opção para um país
periférico, apoio o início da formação de listas europeias para se apresentar
ao Parlamento Europeu. Porque isto de reivindicar que a Europa não tem posições
comuns firmes e depois achar que essas opções firmes se formam pelo simples
somatório de eleições europeias no plano nacional cheira-me a contradição e das
valentes.
Por tudo isto, a transumância do Bugalho é algo que se
insere numa deriva mais abrangente. A Europa não vai lá das pernas assim e mais
uma dimensão se adiciona ao cenário europeu já negro por outras razões. Veja-se
por exemplo a vulnerabilidade das opções ambientais europeias.