sexta-feira, 26 de abril de 2024

DO ABRAÇO À RENOVAÇÃO DE VOTOS

 
(adaptado de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt) 

Tenho acompanhado de perto, e declaradamente interessado, o decurso do processo eleitoral no Futebol Clube do Porto. Não será este o melhor momento para disso fazer o balanço que se justificaria, tantas são as grandes e pequenas histórias que fui observando ou a que acedi – não prometo, mas talvez um dia mais tarde vá por aí, quem sabe?

 

Hoje, fico-me por uma observação lateral mas definitivamente demonstrativa do caráter dos protagonistas. Refiro-me, como é óbvio, à renovação contratual de Sérgio Conceição por quatro anos, ontem divulgada pelo Presidente do Clube e também confirmada por ele próprio. O treinador, que sempre declarara não ir ser interveniente nem agente influenciador das eleições, terá acabado por vacilar perante o pedido de um Pinto da Costa que dá sinais de forte embaraço com a atualmente desfavorável evolução dos acontecimentos, isto após ter afirmado repetidamente que não faria qualquer sentido que Sérgio renovasse sem conhecer a figura que iria liderar futuramente o Clube (entre outras pérolas). Especificando contraditoriamente que “não estou agarrado ao lugar” (que faria se estivesse!), o treinador não só “borrou a pintura” perante a maioria dos associados portistas (que o tinham por homem frontal e verdadeiro) como deixou claro quanto é inexistente a sua cotação num mercado internacional que, se o reconhecesse, lhe poderia servir de alternativa.

 

Quanto a expectativas, limito-me ao que desde já se pode dar por adquirido: a seriedade e o profissionalismo do projeto apresentado por André Villas-Boas, a vontade de mudança que se sente no seio da “família portista”, a hesitação de alguns saudosistas (como se a gratidão, enorme e eterna, fosse o tema central das eleições e não o da necessidade absoluta de se estancar a trajetória declinante do Clube para o preparar para os desafios do presente e do futuro) e a clara captura e perda de controlo dos dossiês que atingem o Presidente dos últimos 42 anos e alguém que pretende perpetuar-se no poder até aos 90 anos. Por tudo isto, eu sou dos que confio na possibilidade de o FC Porto ser resgatado a partir do voto de amanhã.


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

quinta-feira, 25 de abril de 2024

DESENCONTRADOS DESABAFOS DE ABRIL

(Martin Elfman, https://elpais.com

Por muito que o meu amigo António Figueiredo não aprecie efemérides, o que compreendo perfeitamente embora nem sempre o pratique, sendo também certo que a exploração das mesmas vai dando sinais evidentes de requentamento e de capitulação perante as imposições da crescente ditadura do imediato e do superficial, a verdade é que o 25 de abril não é uma efeméride qualquer (to say the least, obviamente e com a devida e sentida vénia). Daí que, mesmo não divagando demasiado em torno do tema, não possa deixar de assinalar a data, ademais no momento do cinquentenário que ocorre.

 

A imagem que escolhi, para fugir à mais desgastada (embora por vezes belíssima) utilização do motivo dos cravos vermelhos, vem do “El País” de hoje e de uma crónica alusiva em que se sustenta a ideia da necessidade de defender as conquistas associadas à data mas também de celebrar a significância intrínseca da mesma. E não faltarão razões bastantes para celebrar, da liberdade à descolonização (e correspondente fim da guerra colonial) ou dos resultados da dinâmica social vivida às evidências (you name it!) do País mais aberto, mais diverso e mais feliz que notoriamente somos.

 

Numa lógica mais pessoal, e recorrendo à sacrossanta pergunta que Baptista Bastos imortalizou (“onde é que você estava no 25 de abril de 74?”), direi apenas que nesse dia me preparava para assistir a uma aula na Faculdade de Economia (onde frequentava o 4º ano da licenciatura) e que rapidamente mudei de rota para avaliar a situação junto de amigas e amigos num café ali para as bandas da rua 5 de outubro. Os tempos de então eram gloriosos pelo lado da juventude que exibíamos mas não menos traumáticos pela ameaça do serviço militar que se nos deparava (com a guerra de África no horizonte) e pelo repressivo fechamento da sociedade que se nos tornava cada vez mais insuportável. À noite, em família, vi na televisão a proclamação da Junta de Salvação Nacional e procuramos interpretar em conjunto, embora de formas nem sempre suficientemente informadas, o alcance do que estava a acontecer. Seguiram-se cinco dias explosivos, incluindo aquele em que a nossa turma boicotou uma aula de Economia da Empresa, os quais culminaram num inesquecível 1º de maio em que o povo do Porto saiu à rua com uma irrestrita alegria.

 

Termino com um obrigatório apontamento de atualidade. Apenas para sublinhar quão deploráveis são as marcas que deste dia de 2024 ficarão na nossa memória coletiva. Um Presidente da República tolhido perante as tonitruantes acusações dos extremistas do “Chega”, um Governo a misturar alhos com bugalhos (não falo aqui do Sebastião, mas sim de uma forçada igualização entre o 25 de novembro e o 25 de abril, só diminuidora de uma e outra data) e intervenções políticas medíocres ou sem chama estratégica de qualquer espécie, tudo no quadro de uma situação política instável e com tendência para piorar, de umas eleições europeias à beira de se poderem saldar por uma vitória dos eurocéticos, de uma sociedade civil autocentrada e anémica e portanto incapaz de se constituir numa alavanca de reação desenvolvimentista, de indicadores económicos e de bem-estar reveladores de um incompreensível torpor e de uma Justiça que insiste em fazer perigar o Estado de direito democrático. Cinquenta anos passados, toda uma agenda por trabalhar!

FILTROS PRECISAM-SE …

 


(No dia de ontem, em trânsito para e vindo de Lisboa, não tive as condições ideais para gerir a minha mais profunda estupefação com o destempero verbal do Presidente Marcelo. Já há algum tempo que me tinha apercebido que o paradigma da incontinência e frenesim comunicacional de Marcelo tinha mudado. Já não estava em causa a necessidade de falar por tudo e por nada, mas comecei a antever a perda progressiva do poder de filtragem em favor de uma “gravitas” da função presidencial, paradoxalmente cada vez mais necessária no período difícil em que as últimas eleições colocaram a democracia portuguesa e o seu quadro parlamentar. Os percalços sucederam-se, a necessidade permanente de corrigir o que fora anteriormente dito intensificou-se, novas interpretações eram sistematicamente adicionadas, com grave ofensa à nossa inteligência de cidadãos. O que se passou ontem essencialmente no âmbito de um encontro com jornalistas estrangeiros equivale em meu entender a um agravamento irreversível da perda de filtros em função da valorização da gravitas presidencial. Primeiro, entrando sem qualquer aviso prévio ao Governo pela problemática matéria das possíveis reparações pelo nosso passado colonial, um poço sem fundo que mais uma vez desviará as atenções do que é essencialmente percecionar em termos do futuro português. Depois, com inenarráveis observações sobre António Costa e Luís Montenegro, com referências a modos de estar, de pensar e de exercer a governação, que não lembraria ao careca trazer para a praça pública, protagonizando um posicionamento de desaforo e até de indelicadeza gritante para o primeiro-Ministro cessante e para o que tem o pesado fardo de lhe suceder. A perda de filtros dá que pensar …)

Algo deve estar a acontecer no turbilhão de personalidade que Marcelo Rebelo de Sousa é e sempre foi. Imagino que Cavaco Silva estará a rir-se com o plano inclinado em que Marcelo se coloca a si próprio e talvez o rígido Cavaco esteja a pensar quão importante é a presença de uma Maria em tudo isto. Imagino também que o caso das gémeas terá representado um verdadeiro choque traumático para as suas convicções familiares e que o possa ter abalado a ponto de lhe toldar o equilíbrio emocional. Não me custa também admitir que a inqualificável posição da Procuradora-Geral da República no assunto da Operação Influencer o terá colocado numa problemática interrogação de consciência e sabemos que é uma personalidade sensível a essas matérias pela sua formação e convicções religiosas. Marcelo pode perfeitamente imaginar que foi enganado com a comunicação de um caso que não estava bem investigado e que determinou um parágrafo mortífero para a estabilidade política e isso, estando a acontecer, deverá corroê-lo por dentro até à exaustão.

Posso até entrar por mundos da psiquiatria mais vulgar e pensar que o frenesim comunicacional e a necessidade de pronunciamento praticamente on line são subterfúgios para o exercício solitário do poder.

Todos os que colocam a defesa da democracia em Portugal acima de todas as minudências e interrogações políticas devem estar preocupados com este plano inclinado, esta caminhada para o abismo em que o Presidente Marcelo se colocou a ele próprio, seja qual for a razão última e profunda que o possa explicar. A ideia de garante transmitida pela função presidencial é, no momento presente, mais importante do que nunca e demasiado importante para se dissolver nesta estranha dissolução da gravitas presidencial. As selfies que possam ser tiradas, e imagino que a sua procura tenda a diminuir, deixarão seguramente na imagem um rosto cada vez mais amargurado. Uma revisão de filtros irá ser necessária para que o fim do mandato presidencial possa concretizar-se com o mínimo de danos possíveis.

 

quarta-feira, 24 de abril de 2024

O BUGALHO QUE VÁ …

 


(A comunicação social portuguesa, particularmente o comentário político nas televisões, está cheia de derivas cuja perversidade antidemocrática o público em geral só compreende quando são retroativamente interpretadas à luz de acontecimentos posteriores. Nos últimos anos, temos assistido, direi impávidos e serenos, a uma onda enviesada de comentário político que apostou tudo na desmontagem da maioria absoluta de António Costa. Verdade se diga que as peripécias de diferente recorte criadas pelo próprio Governo facilitaram a vida a essa onda desequilibrada para a direita. Não exagero quando referi que designadamente a esquerda assistiu impávida e serena à consolidação dessa onda, inebriada por algumas migalhas de comentário que lhe foram reservadas. Claro que há figuras mais escabrosas do que outras, mas basta pensar na reedição das Conversas em Família dos domingos à noite a cargo de Marques Mendes e Paulo Portas, sem contraditório, pois os pivots de ocasião são mais partenaires de faena do que um esboço de contraditório. Dir-me-ão os mais céticos e dou-lhes razão que a opção de António Costa pelo universo da ou próximo da CMTV vai ajudar à pirotecnia desta festa, eu que tenho algum ódio de estimação aquele universo pasquim.  Tudo isto a propósito da audaciosa escolha de Sebastião Bugalho por Luís Montenegro, cada qual sabe as linhas com que se cose, mesmo os mais deslumbrados, ver último post do meu colega de espaço. Para não dizerem que estou na má-língua, chamo a atenção para que, em 4 de novembro de 2021 (link aqui) dediquei uma crónica específica ao dito personagem, destacando a qualidade de uma crónica que ele assinou no Diário de Notícias e sim continuo a ler o jornal da capital, como alguns lhe chamam. Não está obviamente em causa a qualidade ou talento do jornalista ou personagem com cara de quem acaba de ir à comunhão solene. O que está em causa é o precedente de descrédito que a transumância do comentário para a luta política pode representar para ambas e, sinceramente, não sei qual será a mais nociva para o estado da democracia em que navegamos por estes dias.)

Desculpem o desabafo, mas já me tinha percebido que, como se dizia no meu tempo de brincar na rua, vale tudo menos tirar olhos na viciação política a que assistimos. Ora o comentário político é objetivamente campo de estratégias de valorização pessoal e com a vantagem de ser paga, ora arriscamos a dizer que é encomenda política com lacinho na embalagem. O jornalismo económico infelizmente começou cedo a traçar esta trajetória e rapidamente o comentário político veio fazer-lhe companhia. Talvez com a exceção do Princípio da Incerteza, antes Quadratura do Círculo, em que os papéis e interesses dos intervenientes estão bem definidos e, por conseguinte, facilitando a contextualização do que aí é dito, no restante universo as mensagens ocultas e subliminares proliferam, impedindo uma correta contextualização do comentário. A deriva passa inclusivamente por gente de qualidade. Por repetidas vezes, desconfiei neste espaço da progressiva agressividade de Clara Ferreira Alves em relação a António Costa e defendi que dificilmente haveria matéria objetiva que justificasse tal animosidade em crescendo. Como dizia o outro há coisas que me chateiam profundamente e não poder contextualizar as afirmações dos outros é coisa que me tira do sério.

Mas a transumância do comentário para a cena de ir a votos é um estádio supremo da deriva a que estamos a assistir e é nesse ponto que gostaria de me focar.

Obviamente que existem outros critérios para analisar criticamente as opções assumidas pelos principais partidos do sistema político democrático português. Ambas as listas, do PSD e do PS, traduzem antes de mais o menosprezo das questões europeias, propondo gente que ou não pesca de todo nas águas comunitárias ou se limita a ter das mesmas uma posição de receptadores de fundos europeus, como são por exemplo alguns exemplos de autarcas a quem se atribuiu uma espécie de prémio de carreira.

Já por repetidas vezes referi neste blogue a minha frontal oposição à desvalorização política efetiva das eleições europeias e os problemas da Europa começam aí, infelizmente. Por isso, e embora isso choque muita gente, sou dos que, não deixando de medir o risco dessa opção para um país periférico, apoio o início da formação de listas europeias para se apresentar ao Parlamento Europeu. Porque isto de reivindicar que a Europa não tem posições comuns firmes e depois achar que essas opções firmes se formam pelo simples somatório de eleições europeias no plano nacional cheira-me a contradição e das valentes.

Por tudo isto, a transumância do Bugalho é algo que se insere numa deriva mais abrangente. A Europa não vai lá das pernas assim e mais uma dimensão se adiciona ao cenário europeu já negro por outras razões. Veja-se por exemplo a vulnerabilidade das opções ambientais europeias.

 

DESLUMBRAMENTO E IGNORÂNCIA

 
(António Antunes, “O Cartoon de António”, https://expresso.pt

É pró que estamos nesta nossa triste véspera dos cinquenta anos do 25 de abril de 1974! De um lado, o deslumbramento que ressalta do rosto e da atitude do primeiro-ministro desde o dia em que Marcelo selou a sua posse. Um deslumbramento que ainda ontem vimos passear gingonamente pelos corredores de Serralves, um deslumbramento que levou o novo caloiro do Conselho Europeu a uma conferência de imprensa final em que enumerou cada um dos cromos que dele estavam ali por perto (na mesma sala, pasme-se!), um deslumbramento que permite ao primeiro-ministro comentar as medidas fiscais com cândidas referências a alívios fiscais em benefícios de contribuintes já isentos de IRS, um deslumbramento que fez com que passasse pela cabeça de Montenegro a designação de Sebastião Bugalho para cabeça-de-lista da AD às Europeias (maldita a entrevista ao “Expresso” que lhe terá despertado a tentação!) e o toureio com que decidiu que iria brindar Rui Moreira numa confiantíssima (mas aparolada) lógica de “dois em um”... Poderão alguns contrapor-me que descanse porque lá há de chegar, mais dia menos dia, a ocasião para que a cabeça de Montenegro deixe de rodar inebriada e tenha de voltar ao real; ao que retorquirei ainda para sublinhar que, pedindo ao deputado Hugo Soares a deferência de não me levar a mal, as incidências políticas em curso o começam a tornar um alvo demasiado fácil, e simultâneo, para os seus opositores à direita e à esquerda, permitindo vislumbrar uma situação em que teremos este pobre país novamente a braços com querelas eleitorais improcedentes e sem saída ou até conducentes a possíveis encruzilhadas assustadoras – um arranjinho resultante das diatribes de Marcelo e do seu modo completamente individualizado e autocentrado de interpretar o tão apregoado “interesse nacional”.


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Do outro lado, temos um Partido Socialista que, sob uma liderança bem-intencionada e dita de esquerda, decide apresentar uma lista supostamente renovada de candidatos ao Parlamento Europeu. Digo supostamente porque não há, nestas coisas como em quase tudo, renovação sem continuidade ou, talvez melhor, sem capacidade de se trabalhar e construir em cima do adquirido. Tenrinho, na hipótese mais benigna, Pedro Nuno achou que lhe era mais fácil mudar todos e repor o conta-quilómetros a zero; mais fácil porque assim evitando escolhas complexas e injustificáveis (Margarida Marques ou Pedro Silva Pereira, Pedro Marques ou Carlos Zorrinho, Isabel Santos ou Maria Manuel Leitão Marques, Isabel Carvalhais ou Sara Cerdas?) e porque assim tornando mais viável a entrada em lista de apoiantes mais próximos. A esta luz, a lista do PS é bastante má de qualquer ponto de vista. Desde logo, porque não assegura qualquer transição, depois porque integra nomes completamente desqualificados para a função (como as Presidentes de Câmara da Amadora e de Portimão ou alguns jovens turcos sem história que não aparelhístico-partidária), finalmente porque mostra desconhecer a essência do funcionamento concreto do Parlamento Europeu e desvalorizar as áreas vitais pelas quais passarão os grandes desafios do próximo futuro (p.e., quem naquela lista poderá minimamente assegurar as questões económico-financeiras de impacto determinante para o nosso País?). Ignorância, portanto, embora disfarçadamente encapotada por uma renovação pífia e que não passa de mera fachada!